quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Minas Gerais e a destruição da Educação Publica

Como historiador tenho uma visão particular dos acontecimentos. Sinto-me a todo instante como agente ativo do fato histórico. Esta percepção nasce da consciência de fazer parte de um processo único ativamente. Sou um agente desse processo. Hobsbawn considera em seu ensaio O presente como história a possibilidade de que "uma experiência individual de vida também seja uma experiência coletiva." p. 244.

Nesse momento, participo de um momento único na história de Minas Gerais. Reconheço minha classe, a de professor estadual, como uma das mais esquecidas, menosprezadas e desprestigiadas formas de atuar no serviço público. Esta classe que em 30 anos viu seu salário reduzido de 10 salários mínimos para 1 salário mínimo e meio vive atualmente momentos tenebrosos.

Acontece que a relação Salário/qualidade de ensino é direta. Não quer dizer que um professor que ganhe pouco trabalhe de má vontade. O debate vai muito além da máxima: "se pagarem mais trabalharei melhor!".

Acontece que o salário pago aos professores não permite que eles se dediquem a apenas uma escola. Vários de meus colegas, para manterem um padrão mínimo de dignidade trabalham em 2, 3 e até 4 escolas. Com isso ficam sobrecarregados, estressados e esgotados.

No entanto, esse quadro de baixos salários vai além. Todos os anos perdemos os melhores professores para outras funções públicas. Pessoas com formação acadêmica exemplar, professores de qualidade indiscutível decidem tornar-se policiais civis, militares ou bancários única e exclusivamente pelo salário. Perdemos professores extraordinários, que tem gosto pela docência para tornarem-se policiais, bancários ou técnicos muitas vezes medíocres, partindo do princípio de que abrem mão de suas carreiras com a única motivação de ganharem mais.

Aos poucos vão ficando nas escolas apenas aquelas "tiazonas" que já estão cansadas demais para tentar algo diferente e se contentam em ganhar pouco mais que um salário mínimo. Quantas vezes me lembro ter ouvido na sala dos professores a máxima: "o governo finge que paga e a gente finge que dá aulas." Em meio a elas, subsistem raros, raríssimos casos de professores reais. Homens e mulheres que mesmo recebendo esse ridículo salário sentem-se recompensados quando alunos correspondem ao seu empenho.

Eu mesmo considero o meu cargo de professor como um "bico". O atual teto de R$950,00 não pode ser encarado como uma carreira.

Durante meus 3 anos e meio de serviço público assisti aos ridículos "dias de paralisação". Nestes, os professores param suas atividades por 24 horas sem nenhum dano ao calendário escolar e ainda são regiamente obrigados a repor as aulas não dadas.

Participei uma única vez e foi o bastante para me decepcionar amargamente. Nunca mais voltei a assinar os "indicativos de greve". Mudei meu pensamento. Passei a encarar seriamente o projeto de abandonar a docência e tentar outros concursos. Afinal, seria mais fácil mudar minha condição do que de uma classe inteira.

Eis que no dia 8 de Abril estoura uma Greve de tempo indeterminado. Inicialmente minha escola manteve o papel cômodo do "esperar pra ver no que vai dar". No dia 13 de Maio, eu e alguns professores fomos até Belo Horizonte para ter uma dimensão do movimento. A praça da Assembléia encontrava-se lotada. Acredito que estivessem ali pelo menos 9000 pessoas e faixas de todas as partes de Minas Gerais. O clima era contagiante. Anos e mais anos de praguejamento e reclamações dentro das sala dos professores finalmente canalizados para uma greve geral. Cheguei no início tímido, meio que sem lugar entre aquela multidão, mas ao final me sentia como parte dela, após a votação eramos um só corpo aos gritos de: "GREVE GREVE GREVE!!!"



No dia seguinte minha escola na cidadezinha de Bom Sucesso já estava em greve. Motivados pela liderança carismática de meu caríssimo companheiro historiador Paulo Henrique tiramos nossa escola de seu papel retrógrado e a colocamos no nobre papel da vanguarda pela valorização dessa profissão subestimada mas necessária e essencial à sociedade.

Viajei para Juiz de Fora e participei das assembléias locais, fui o primeiro a falar durante a reunião e aplaudido por 3 vezes ao citar a carta do jovem Vassili que lutou na resistência francesa. Saimos às ruas, paramos as avenidas Independência e Rio Branco. Seguimos até o calçadão da Halfeld onde ocorreu o ato final.

Durante todos esses dias, até hoje dia 20 de Maio me pergunto sobre os rumos do movimento. Alguns o acusam de ser um movimento puramente político, uma tentativa de desgastar o PSDB. Ao meu ver esse ponto de vista seria ingenuidade já que a causa de valorização salarial é legítima.

O termo "puramente" político não cabe aqui. Tenho certeza que rivais de outros partidos estão usando a greve para atacar o governo. No entanto, questionar a essência desse ataque, se o deputado faz isso maquiavélicamente, friamente usando um movimento sofrido como massa de manobra ou se ele realmente comunga dos apelos legítimos dos educadores é uma questão que somente o deputado, em seu íntimo pode responder.



Creio que nesse instante todo e qualquer apoio é bem vindo, seja de qualquer partido, de qualquer classe.

Deputados da base governista afirmam que nesses meses que precedem as eleições aumentos não podem ser concedidos. No entanto não estamos exigindo aumento, mas sim o cumprimento de uma lei.

Um dos pontos de impasse entre Governo do Estado e grevistas é com relação ao pagamento do piso para professores. Em 2008, foi promulgada a Lei Federal 11.738, que estabelecia para 2009 o piso salarial para a categoria fixado em R$ 950.O próprio valor do piso gera dúvidas. Para 2010, com base no custo por aluno estimado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o piso passaria a ser de R$ 1.312.

O Ministério da Educação alegou à Advocacia-Geral da União (AGU) que o piso teria que ser menor, em virtude da queda de arrecadação causada pela crise econômica. Dessa forma, o piso fixado para 2010 foi de R$1.204.Outro ponto que gera discussões é com relação à composição do piso. Para os professores, o piso fixado deveria ser apenas para o salário base, sem considerar as demais remunerações para sua composição.

Já o Governo do Estado tem alegado que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o piso seria remuneratório, incluindo em sua composição, além do salário, as vantagens por tempo de carreira e outros adicionais.A posição do STF nesse sentido se deve a uma Ação de Inconstitucionalidade contra a Lei 11.738, movida por governadores de cinco Estados. O órgão decidiu que, enquanto não for julgado o mérito, o piso dos professores seria remuneratório.
Em meio a esse impasse, lutas partidárias e vaidades entre legislativo e judiciário ficamos nós professores. Acredito, que só ao final das eleições saberei se fui utilizado como massa de manobra ou não. Se a greve conquistar suas exigências antes das eleições o movimento vai naturalmente se encerrar e os ataques devem parar. Caso contrário, ficaria evidente seu caráter eleitoral como arma política.

Se este movimento não alcançar nenhuma de suas reivindicações e ao final das eleições uma nova greve geral não for convocada terei a certeza de que fiz religiosamente o papel de vaquinha de presépio, de massa de manobra, ingênuo, abestalhado, empolgado tal como Che Guevara no meio da selva bolíviana.

Espero não chegar a mesma conclusão que George Orwell em "Lutando na Guerra Civil Espanhola" onde ele afirma: "Os verdadeiros revolucionários morrem no processo e apenas os porcos chegam ao poder."

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